Montadoras enviam carta ao presidente Lula pedindo veto a benefícios fiscais para modelos SKD e CKD; texto cita risco à indústria nacional
As quatro principais montadoras com operação no Brasil — General Motors, Toyota, Volkswagen e Stellantis — assinaram uma carta conjunta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo que o governo não conceda incentivos fiscais para a montagem de veículos chineses no país nos formatos SKD (semidesmontado) e CKD (completamente desmontado).
O movimento, revelado por veículos como Quatro Rodas, Motor1 e UOL, é uma reação à possível aprovação de benefícios para marcas como a BYD, que se prepara para iniciar operações fabris no Brasil a partir de kits importados. A carta, enviada em 15 de julho de 2025, alerta sobre o risco de desindustrialização e perda de empregos no setor automotivo nacional.
Carta enviada ao presidente Lula (na íntegra)
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Com nossos cumprimentos, vimos expor o teor de nossas preocupações quanto ao futuro da indústria automotiva brasileira.
O setor tem sido, desde os anos 1950, um importante vetor de industrialização e de crescimento econômico para o Brasil. Nasceu de uma visão desenvolvimentista, impulsionando com sua expansão um dos maiores e mais diversificados parques industriais do mundo.
Essa sólida cadeia industrial consolidou-se ao longo de mais de 70 anos de presença no Brasil. Sucessivas ondas de investimentos no decorrer desse período formaram uma cadeia produtiva responsável por 2,5% do PIB brasileiro, 20% do PIB da indústria de transformação, pela geração de 1,3 milhão de empregos e por um faturamento anual de US$ 74,7 bilhões.
Nossa indústria planeja investir R$ 180 bilhões nos próximos anos, sendo R$ 130 bilhões já confirmados por grupos mundiais de fabricantes de veículos e autopeças.
É nosso dever alertar, Senhor Presidente, que esse ciclo virtuoso de fortalecimento da indústria nacional está sendo colocado em risco e sofrerá forte abalo se for aprovado o incentivo à importação de veículos desmontados para serem acabados no país.
Ao contrário do que querem fazer crer, a importação de conjuntos de partes e peças não será uma etapa de transição para um novo modelo de industrialização, mas representará um padrão operacional que tenderá a se consolidar e prevalecer, reduzindo a abrangência do processo produtivo nacional e, consequentemente, o valor agregado e o nível de geração de empregos.
Por uma questão de isonomia e busca de competitividade, essa prática deletéria pode se alastrar por toda a indústria, afetando diretamente a demanda de autopeças e de mão de obra. Seria uma forte involução, que em nada contribuiria para o nível tecnológico de nossa indústria, para a inovação ou para a engenharia nacional. Representaria, na verdade, um legado de desemprego, desequilíbrio da balança comercial e dependência tecnológica.
Trazemos nossos argumentos à sua análise, Senhor Presidente, na expectativa de que seu governo assegure igualdade de condições na competição pelo mercado, vetando privilégios para a importação de veículos desmontados ou produzidos no exterior com subsídios.
Reafirmamos, desse modo concreto, nosso compromisso com o fortalecimento da indústria nacional e com o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Assinam:
Emanuelle Cappellano – Stellantis Automóveis do Brasil
Santiago Chamorro – General Motors do Brasil
Ciro Possobom – Volkswagen do Brasil
Evandro Maggio – Toyota do Brasil
O estopim: BYD em Camaçari (BA)
O pedido das quatro montadoras vem na esteira da instalação da nova fábrica da BYD em Camaçari, na Bahia, onde os primeiros modelos devem ser montados a partir de kits SKD ainda em 2025. A marca chinesa solicitou à Camex (Câmara de Comércio Exterior) isenção tributária temporária sobre a importação de autopeças, alegando que isso seria necessário até que a operação local estivesse totalmente estruturada.
Impacto direto na cadeia de autopeças
Segundo dados do setor, cada vaga nas montadoras pode gerar até dez empregos indiretos na cadeia de autopeças, o que gera preocupação com uma possível onda de desindustrialização. As empresas signatárias da carta estimam que mais de 50 mil empregos diretos e indiretos podem ser afetados.
Indústria nacional versus competitividade chinesa
O caso evidencia um dos maiores impasses da indústria automotiva brasileira na atualidade: como equilibrar o incentivo à modernização tecnológica — especialmente de veículos híbridos e elétricos — com a manutenção da produção local e os empregos que ela sustenta.